Das coisas que não acontecem como prevemos, porque a vida adora nos surpreender.
A função do projeto Diários da Solidariedade é fazer acontecer a troca de diários entre voluntários e idosos em acolhimento com o propósito de criar vínculos e combater a solidão. A expectativa era de que ambos os lados tivessem muitas histórias pra contar em cada registro e que os cadernos ficassem lotados. Em alguns casos isso não foi possível.
Projeto iniciado. As pessoas foram destinadas umas às outras na “sorte” (há quem não acredite em acasos).
Fran e Alzira são uma de nossas duplas. A idosa não sabe ler nem escrever, e para participar, contou com a ajuda da psicóloga da instituição. Foram poucas páginas escritas em seu diário, mas suas histórias marcaram quem as pôde ler.
E foi no dia da primeira troca de diários, quando Fran chegou para deixar o seu e pegar o da idosa, que o encontro emocionante (não previsto) aconteceu. A partir dali, a troca de afetos já não seria por meio de cartas (como prevê o projeto), mas sim através do contato físico e da troca de itens simples, que exprimem carinho e cuidado.
Alzira fez questão de mostrar sua coleção de bonecas e itens bordados à mão e esse foi o primeiro presente dela para a Fran. Um colar de quartzo rosa foi dado pela Fran como resposta. Não como uma troca, mas no ensejo do momento em que você se conecta com o outro deixando também um pedacinho de si mesmo.
Enquanto Fran levava livros de colorir que a idosa adora, Alzira a presenteava com mudinhas que ela mesma plantou. Noutro momento, Alzira entrega uma boneca da sua linda coleção, vestida com uma roupa também costurada por ela.
E lá se vão canetinhas e mais livros de colorir, já que a idosa terminou o primeiro livro e o devolveu como quem diz “Você me deu algo em branco para que eu pudesse transformar, e agora eu o devolvo pra você com a minha personalidade, cheio de vida, cheio de cor”. E lá se vão mais trocas de mudinhas, trocas de itens simbólicos e trocas de afetos que vão muito além de palavras.
Hoje, o trevo de 4 folhas que ganhou, decora a casa da voluntária, que certamente o terá como uma lembrança da “sorte” que ambas tiveram em se esbarrar e poder caminhar juntas em parte desse caminho da vida.
Sabemos que o projeto tem duração definida e que o contato entre ambas pode não se estender para além dos prazos, mas a ideia do estoicismo nos conforta, quando diz que nada dura para sempre, mas que, enquanto eu tenho determinado item ou tenho alguém, que eu possa fazer bom proveito com o tempo em que estiver comigo, recebendo o melhor do outro e deixando o melhor de mim.
Por Ray Oliveira